Diagrama clínico sobre capsulite adesiva e Avabāhuka mostrando rigidez e limitação de movimento.

Ombro congelado (capsulite adesiva) — comparação entre a medicina ocidental e o Ayurveda (Avabāhuka — अवबाहुक)

Introdução

O ombro congelado, conhecido na medicina ocidental como capsulite adesiva, é uma condição que mobiliza profissionais de diversas áreas: ortopedia, fisioterapia e medicina integrativa. No próprio campo do Ayurveda há uma descrição clássica que se aproxima desta síndrome, chamada Avabāhuka — अवबाहुक (sin. Apabāhuka — अपबाहुक). Este texto propõe uma leitura comparativa entre os modelos explicativos, as formas de avaliação e as linhas gerais de manejo sugeridas pela biomedicina e pelo Ayurveda, buscando clareza técnica sem pretensão de esgotar nem substituir avaliação clínica profissional.

Nomes e escopo

Na biomedicina, o termo capsulite adesiva refere-se a um quadro caracterizado por dor e perda progressiva da amplitude de movimento ativa e passiva do ombro, com alterações da cápsula articular e do tecido periarticular. No Ayurveda, o quadro correlato é descrito como Avabāhuka — अवबाहुक, que historicamente agrupa sinais de dor, rigidez e limitação funcional do segmento que envolve a articulação do ombro, frequentemente referida como Amsa Sandhi.

Ao discutir termos ayurvédicos que aparecem com frequência na leitura clínica, é útil recordar algumas palavras-chave na primeira menção: Vāta – वा त e Kapha – कफ são doṣas comumente implicados nos quadros de dor e rigidez articular; a expressão Amsa Sandhi (articulação do ombro) situa o foco anatômico da condição.

Termos-chave

  • Avabāhuka — अवबाहुक: termo tradicional ayurvédico associado a dor e rigidez do ombro.
  • Capsulite adesiva: denominação biomédica que descreve inflamação e fibrose capsular com perda de mobilidade.
  • Vāta – वाता e Kapha – कफ: doṣas frequentemente considerados no diagnóstico ayurvédico de afecções musculoesqueléticas.
  • agni – अग्नि e āma – आम: conceitos metabólicos centrais na etiologia ayurvédica (agni como fogo digestivo/metabólico; āma como produto da digestão incompleta).
  • srotas – स्रोत e dhātu – धातु: canais e tecidos que podem ser afetados por obstruções e desequilíbrios.

Etiologia / causalidade

Ambos os sistemas procuram identificar causas que expliquem a gênese do quadro, mas utilizam linguagens distintas e modelos causais diferentes.

Visão biomédica

Na literatura ocidental, a capsulite adesiva costuma ser explicada por um processo inflamatório seguido de fibrose da cápsula articular glenoumeral, especialmente do espaço axilar. Existe uma sequência clínica clássica de fases — muitas vezes descritas como fase inicial dolorosa (“freezing”), fase de rigidez estabelecida (“frozen”) e fase de recuperação gradual (“thawing”) — embora a duração e a intensidade variem. Fatores associados incluem histórico de trauma ou cirurgia com imobilização, diabetes mellitus, distúrbios da tireoide e outras condições metabólicas. A imobilização prolongada e a falta de movimento articular são reconhecidas como fatores que favorecem a contratura capsular e a limitação funcional.

Leitura ayurvédica

O Ayurveda explica o Avabāhuka — अवबाहुक por meio da interação dos doṣas, do agni e do estado dos srotas — स्रोत. Em termos gerais, observa-se que o Vāta – व ात, responsável pelo movimento e pela condução de sensações, quando viciado produz dor e limitação motora. Ao mesmo tempo, o Kapha – कफ contribui para a sensação de pesadez, aderência e rigidez. A presença de āma – आम (resíduos metabólicos não processados) e o comprometimento do agni – अग्नि podem agravar a formação de depósitos e obstrução dos srotas – स्रोत, resultando em um quadro de “aderência” e diminuição de fluidez no tecido periarticular. Vihāra (hábitos de movimento e posturais), fatores climáticos (exposição ao frio/umidade) e trauma local também aparecem como precipitantes clássicos.

Avaliação

A avaliação é, em ambos os campos, o ponto de partida para formular hipóteses de trabalho e definir estratégias de manejo. A diferença principal está na linguagem e nas prioridades diagnósticas.

Abordagem biomédica

O modelo biomédico baseia-se em anamnese, exame físico detalhado (avaliação da amplitude de movimento ativa e passiva, testes específicos para diferença entre origem articular ou tendinosa, palpação) e, quando indicado, exames por imagem — ultrassonografia, radiografia para excluir outras causas e ressonância magnética para avaliar espessamento capsular, sinovite e alterações do espaço axilar. Em contextos clínicos, esses recursos são usados para confirmar a hipótese de capsulite adesiva e para orientar tratamentos como fisioterapia, infiltrações ou, em casos selecionados, intervenções cirúrgicas.

Abordagem ayurvédica: rogi–roga parīkṣā

No Ayurveda, a avaliação é relacional: realiza-se a parīkṣā (avaliação) do rogi (paciente) e do roga (doença), observando sinais de desequilíbrio dos doṣas, qualidade do agni, presença de āma, condição dos dhātus e obstrução dos srotas. Aspectos como o prakṛti (constituição), vikṛti (desequilíbrio atual), história de alimentação e estilo de vida, padrões de sono e eliminação, além de sinais locais (temperatura, textura da pele, tumefação, rigidez), compõem a leitura. Essa avaliação procura integrar fatores locais e sistêmicos para priorizar medidas de śamana (protocolo paliativo) ou śodhana (limpeza/purificação) quando indicado, sempre respeitando contraindicações.

Manejo em linhas gerais

As estratégias de manejo nas duas tradições compartilham objetivos comuns — reduzir a dor, recuperar mobilidade e restabelecer funcionalidade — mas apresentam ênfases e ferramentas diferentes.

Linhas gerais na biomedicina

Na prática biomédica contemporânea, as abordagens iniciais tendem a privilegiar educação do paciente, controle da dor e reintrodução gradual de movimento articular. Intervenções conservadoras frequentemente incluem fisioterapia dirigida à restauração da mobilidade por meio de exercícios ativos e passivos, técnicas manuais, analgesia quando necessária e medidas de suporte psicossocial para adesão. Infiltrações de corticosteroide intra-articulares são usadas em situações selecionadas para reduzir a inflamação e facilitar a fisioterapia. Em casos refratários, procedimentos articulares manipulativos sob anestesia ou liberação cirúrgica da cápsula podem ser considerados por equipes especializadas.

Princípios tradicionais do Ayurveda

O manejo ayurvédico histórico articula-se em torno de princípios: restauração do fluxo adequado dos doṣas e dos srotas, digestão do āma por meio do restabelecimento do agni – अग्नि, e recuperação da mobilidade por meio de rotinas externas e internas que promovam oleação, aquecimento e desobstrução. O tratamento é organizado em duas grandes categorias: śamana – शमन (medidas calmantes/paliativas) e śodhana – शोधन (procedimentos de purificação), escolhidas conforme a avaliação. Entre as práticas externas comumente citadas em textos e em tradição clínica estão massagem local e sistêmica (abhyanga), fomentação (swedana), aplicação de emplastros medicados (lepa), e terapias corporais específicas que visam suavizar a rigidez e melhorar a circulação local. Internamente, recomenda-se atenção ao ahāra – आहार (alimentos de fácil digestão) e à rotina diária (dinācārya – दिनचर्या) que favoreça o aquecimento metabólico, o sono reparador e a mobilidade gradual.

Importante: aqui se mencionam categorias e procedimentos tradicionais sem detalhar protocolos, posologias ou instruções técnicas específicas. A escolha entre śamana e śodhana depende de fatores avaliativos e costuma ser feita por profissional qualificado.

Convergências e diferenças

Comparar as duas perspectivas revela sobreposições práticas e diferenças epistemológicas.

  • Convergências: ambas reconhecem o papel crítico do movimento e da mobilidade gradual na recuperação; entendem que dor e rigidez são centrais para o quadro; valorizam intervenções que reduzam a dor para permitir reabilitação funcional; atribuem importância à educação do paciente e à rotina como suporte terapêutico.
  • Diferenças: a biomédicina explica a capsulite por processos inflamatórios e fibrose capsular observáveis em imagens e em anatomia funcional; o Ayurveda interpreta o mesmo quadro a partir de interações entre doṣas, agni, āma e srotas, usando uma linguagem sistêmica que conecta metabolismo, hábitos e canais corporais. Enquanto a primeira usa termos fisiopatológicos e biomarcadores, a segunda integra sinais locais e constitucionais para priorizar tratamentos paliativos ou purificatórios.

Cotidiano e adesão: orientações práticas de organização

Seja qual for a abordagem terapêutica escolhida em conjunto com profissionais, a organização do cotidiano é decisiva para adesão e avanço funcional. Seguem orientações gerais e não prescritivas, pensadas para quem busca ajustar hábitos de modo seguro:

  • Rotina de sono e descanso: preservar um padrão regular de sono favorece a recuperação geral e o controle da dor. Ajuste o posicionamento ao dormir para reduzir tensão no ombro — travesseiros de apoio lateral podem ser úteis, sempre respeitando conforto e orientação clínica.
  • Aquecimento antes do movimento: realizar aquecimento suave (compressas mornas, banhos quentes locais) antes de tentar mobilizações pode reduzir a dor aguda e facilitar a amplitude de movimento.
  • Progresso gradual: executar movimentos em amplitudes que não provoquem dor aguda; priorizar repetições suaves e incremento lento. Evitar movimentos forçados que provoquem dor intensa ou espasmo defensivo.
  • Integração de pausas e trabalho: alternar períodos de atividade com micropausas, alongamentos suaves e variações posturais para evitar paralisia funcional por imobilização.
  • Alimentação e hábitos: adotar refeições regulares e de fácil digestão, evitando excessos que comprometam o agni, é um princípio tanto prático quanto alinhado ao Ayurveda. Hidratação adequada e controle do estresse também influenciam recuperação.
  • Adesão ao plano multidisciplinar: fisioterapia, orientações ocupacionais e, quando pertinente, acompanhamento ayurvédico podem ser combinados de modo complementar. Comunicação entre os profissionais evita intervenções conflitantes.

Considerações e cuidados

Algumas advertências fundamentais:

  • Evite interpretações simplistas: nem todo quadro de dor e limitação no ombro é capsulite; diagnóstico diferencial é necessário. Buscar avaliação médica é prudente quando há dor intensa, piora progressiva ou sinais sistêmicos.
  • Não ignore contraindicações: procedimentos de aquecimento, manipulação ou purificação podem ser contraindicados em contextos inflamatórios agudos, infecções ou com comorbidades relevantes. Discuta sempre intervenções com profissionais qualificados.
  • Integração responsável: caso opte por terapias ayurvédicas complementares, informe o médico e o fisioterapeuta responsáveis para assegurar coerência entre intervenções e evitar efeitos adversos.
  • Sem promessas de cura: tanto a medicina ocidental quanto o Ayurveda descrevem trajetórias variáveis; alguns casos evoluem ao longo de meses a anos. Transparência sobre prognóstico e metas de funcionalidade é essencial.

Conclusão

A leitura comparativa entre a capsulite adesiva e o Avabāhuka — अवबाहुक evidencia como duas tradições podem olhar para um mesmo fenômeno corporal com linguagens distintas e, ainda assim, encontrar pontos de contato terapêuticos. Enquanto a biomedicina detalha estruturas e processos inflamatórios-cicatriciais, o Ayurveda oferece um enquadramento sistêmico que inclui metabolismo, hábitos e canais corporais. Em termos práticos, ambas enfatizam a importância da mobilidade gradual, da educação do paciente e de rotinas que favoreçam recuperação.

Para quem deseja aprofundar a compreensão do Ayurveda e de suas aplicações, recomendamos conhecer programas formativos e abordagens corporais estruturadas: pós-graduação em Ayurveda, informação sobre terapias corporais e procedimentos e a oferta formativa disponível em cursos. Para uma leitura mais ampla de nossos textos e reflexões, consulte também o blog do Espaço Arjuna.

This article compares adhesive capsulitis (frozen shoulder) as understood in contemporary biomedicine with the classical Ayurvedic description Avabāhuka — अवबाहुक. It outlines etiological models, assessment approaches and broad lines of management from both traditions without prescribing dosages or promising cures. Biomedical explanations emphasize capsular inflammation, fibrosis and risk factors such as immobilization and metabolic comorbidities, while Ayurvedic interpretation highlights Vāta (movement), Kapha (stasis/adhesion), agni (metabolic fire), āma (undigested metabolic byproducts) and srotas (channels). Practical convergence exists around the need for gradual mobilization, pain control and consistent daily routines. Differences lie mainly in conceptual frameworks and intervention vocabularies. The piece recommends cautious, integrated care involving qualified clinicians and suggests further study through structured Ayurvedic and rehabilitative programs.

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